Apontada por investigadores europeus como a principal organização mafiosa no mundo atualmente, a ‘Ndrangheta, com sede no sul da Itália, tem utilizado São Paulo como base de negócios de sua principal função: o tráfico de drogas.

Para operar no Brasil, a máfia estabeleceu acordos com o PCC (Primeiro Comando da Capital), facção forte no estado de São Paulo, entre outros. Em dois anos, ao menos três homens com cargos de liderança na Itália estiveram com a organização brasileira, de acordo com investigações europeias. Existe a suspeita de que outros dois também estejam ou tenham passado por São Paulo com a mesma finalidade.

O interesse da ‘Ndrangheta em São Paulo é negociar diretamente com o PCC — a única organização criminosa brasileira que exporta cocaína para outros continentes. Desde Santos (SP) sai grande parte da droga importada pela máfia italiana, que lucra com a revenda na Europa.

Duas toneladas de droga, avaliadas em R$ 1 bilhão

Segundo as investigações europeias, entre 2017 e 2018, foram enviadas à Europa cerca de duas toneladas de cocaína, avaliadas em cerca de R$ 1 bilhão. Os principais portos do país de onde há interferência do crime organizado são os de Santos (São Paulo), Salvador (Bahia), Itajaí (Santa Catarina) e o da capital do Rio de Janeiro.

Para o desembargador José Laurindo de Souza Netto, professor e supervisor pedagógico na Escola da Magistratura do Paraná e que tem estudos sobre as máfias italianas, a presença de lideranças da ‘Ndrangheta em São Paulo é uma “clara demonstração da atuação em rede das organizações”.

“A mais ativa e poderosa mafia italiana negocia diretamente com a maior facção brasileira buscando base logística, sobretudo nos portos.”
Desembargador José Laurindo de Souza Netto

O domínio da fronteira do Paraguai pelo PCC tornou-se um lucrativo negócio para a ‘Ndrandheta, segundo o magistrado. Sobretudo na exportação de cocaína pelo porto de Paranaguá (PR).

“O elo entre as organizações não ocorre somente no tráfico de drogas, mas também na lavagem de dinheiro com a abertura de empresas fantasmas”, afirma Netto. Além de vender drogas à máfia, o PCC estaria agindo como parceiro da ‘Ndrangheta, permitindo que ela trabalhe em locais considerados como seu território, a exemplo do porto de Santos.

A reportagem questionou a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de SP) sobre que medida que o estado teria em atividade contra o tráfico internacional de drogas e monitoramento de membros de máfias ou facções estrangeiras, mas a pasta informou que a competência é da PF (Polícia Federal). Questionada, a PF não se manifestou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.

Correspondentes da máfia na América do Sul

Moraram em São Paulo, por pelo menos um ano, Nicola Assisi, considerado por fiscais antimáfia italianos como o principal integrante da ‘Ndrangheta, e seu filho, Patrick Assisi. Na semana passada, eles foram presos em um apartamento na Praia Grande, litoral de São Paulo, área identificada por policiais brasileiros como domínio do PCC.

Nicola seria o responsável por coordenar negócios desde o porto santista, onde o tráfico internacional de drogas é controlado pela organização criminosa paulista.

O mafioso ficou conhecido na Itália sob a alcunha de “O Sobrinho” ou de “Fantasma da Calábria”, região do sul da Itália de onde surgiu a ‘Ndrangheta.

Há registros de seu envolvimento com o tráfico de drogas nesse local desde 1997. Além do negócio de compra de drogas com o PCC, os Assisi também são investigados por comprar drogas de cartéis colombianos, sendo uma espécie de “correspondentes da máfia na América do Sul”.

Em uma interceptação telefônica realizada no ano passado, Assisi disse a um de seus sócios, que estava em Turim, no norte da Itália, que estava no Paraguai “para o trabalho”.

A suspeita da polícia italiana é de que ele viajava constantemente entre os países da América do Sul para negociar compra de cocaína, conversando constantemente com as facções criminosas mais potentes de cada local.

Negociação com lideranças do PCC

Além dos Assisi, a investigação apontou que Domenico Pelle, apontado como o principal chefe da máfia na Itália, esteve em São Paulo para negociar drogas pessoalmente com lideranças do PCC pelo menos duas vezes, entre 2016 e 2017. Ele foi preso na Europa em dezembro de 2018.

A suspeita é de que ele tenha se encontrado com Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, considerado o principal criminoso em liberdade do Brasil. Ele é braço direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e estima-se que esteja morando na Bolívia e coordenando o tráfico internacional de drogas do PCC.

Detido na Europa, Pelle nega em depoimentos as denúncias que o ligam ao PCC.