Há quatro anos e meio, o Paulínia Futebol Clube marcou seu último gol. O autor foi Felipe Santos, cobrando falta, em Guariba, São Paulo, para 212 presentes, já aos 44 minutos do segundo tempo. O gol não foi o suficiente para evitar a derrota do seu clube, que perdeu por 2 a 1, e nem a eliminação na terceira fase da série B do campeonato paulista – a quarta divisão estadual. Desde lá, o time representante da cidade homônima de 100.000 habitantes, que soma quatro temporadas profissionais em 15 anos de idade, não disputou outra partida oficial. Castigado pelas dívidas e pela crise política na cidade, o Paulínia sobreviveu aos anos sem atividade e planeja acabar com o hiato em 2020. A promessa é pela volta de um clube estável financeiramente graças às transferências milionárias de Fabinho, jogador do Liverpool e seleção brasileira.

Antes de chegar à equipe inglesa e ser convocado por Tite, o volante/lateral passou por Monaco, Real Madrid, Fluminense e Paulínia. Natural da vizinha Campinas, Fabinho entrou no clube paulinense em 2005, aos 12 anos de idade, um ano depois do nascimento do Paulínia FC. O PFC, fundado pelo empresário e vereador Francisco Bonavita, surgiu em um contexto no qual a cidade investia na cultura local. Por conta das receitas vindas da maior refinaria de petróleo da Petrobras, que existe lá, o município chegou ao posto de maior PIB per capita do Brasil (314.600 reais) em 2016 e, na primeira década do milênio, investiu na construção de um teatro, promoveu festivais de cinema brasileiro e sediou uma edição do festival de música SWU. Em evidência, Paulínia chegou a ser apelidada de “Hollywood brasileira”.

Quatro temporadas no profissional
Além de representar a cidade no futebol, o clube era um projeto social. Começou nas categorias sub-12 e sub-13 e só estreou o profissional na série B do Paulista em 2008. A Prefeitura investia na base, que fazia um trabalho social e esportivo com os jovens, e atuava como proprietária do estádio Luiz Perissinotto, mas não colocava dinheiro na equipe profissional. Fabinho participou do vice-campeonato paulista sub-17 em 2009 e jogou a Copinha pelo sub-20, em 2011, antes de sair para o Flu.

Depois de jogar a última divisão paulista de 2008 a 2010, o time profissional do Paulínia subiu para a série A-3 em 2011, mas foi rebaixado no mesmo ano. A situação piorou em 2012 e 2013, quando não houve acordo do clube com a Prefeitura para regularizar o estádio municipal junto aos bombeiros. O elenco jogou em parceria com o Novorizontino, de uma cidade a 300 km de Paulínia. O time só voltou a disputar o campeonato em 2014, quando, por conta de um imbróglio na Justiça, Edson Moura Júnior assumiu o cargo de prefeito no lugar de José Luiz Pavan, que governava o município desde 2012, e facilitou a liberação do estádio. Moura foi eleito em 2012, mas teve a candidatura cassada em processo que se estendeu pelos três anos seguintes. Pavan, que ficou em segundo nas eleições, assumiu, mas era obrigado a deixar o cargo quando Edson conseguia liminares na Justiça; por isso havia um revezamento. “Na gestão do Moura Júnior, a situação era de um gosto maior pelo futebol, então havia um esforço para melhorar a estrutura do clube”, conta o atual presidente do PFC, Fábio Ricardo Brusco. Juninho, como o ex-prefeito é conhecido, é filho de Edson Moura, que era prefeito durante a fundação do clube da cidade, e tinha Bonavita como vice.
Em 2015, com Pavan de volta definitivamente no cargo, o Paulínia jogou somente a Copa São Paulo e encerrou todas as atividades. “Depois da gestão do Juninho, não ajudaram mais. Nem com Pavan, nem com Dixon [eleito em 2016] e nem com outros prefeitos [outros três passaram pelo cargo depois]”. Mandatário do PFC desde 2009, Brusco classifica a situação do estádio como “completamente deteriorada”, cita problemas no centro de treinamento, que também é municipal, além de dívidas trabalhistas e a dificuldade com a crise política na cidade. “Resolvemos dar um tempo porque trabalhávamos sem uma situação fixa. Precisamos de uma tranquilidade administrativa; que alguém ganhe o mandato [de prefeito] e termine ele. Não acontece há um tempo”. Durante o mandato 2012-2016, enquanto Pavan e Júnior brigavam pela Prefeitura, os vereadores Marcos Bolonhezi, Marquinho Fiorella e Sandro Caprino se revezaram interinamente no cargo. Dixon Carvalho foi eleito em 2016, mas cassado em 2018; Du Cazellato assumiu por ser presidente da Câmara e, posteriormente, deu lugar a Antônio Ferrari “Loira”.

“Preparados para voltar”
Financeiramente, o presidente alega que a situação do Paulínia está resolvida pelo Fabinho. Devido ao mecanismo de solidariedade da FIFA, o clube formador tem direito a aproximadamente 2% de todas as transferências internacionais do jogador até sua aposentadoria. Depois de ganhar mais de 500.000 reais com a venda de Fabinho do Fluminense ao Rio Ave, de Portugal, em 2012, quando o PFC tinha 40% dos direitos do jogador, os cofres do clube ainda agradeceram as negociações do Rio Ave com o Monaco (6.000.000 de euros em 2015) e, recentemente, do Monaco ao Liverpool (45.000.000 de euros em 2018). Com a cotação da época, o Paulínia recebeu cerca de 420.000 reais em 2015 e tem direito a 4.000.000 de reais com a ida do jogador à Inglaterra.

“Jogamos a série B de 2014 com o dinheiro do Rio Ave. Ainda recebemos 300.000 do empréstimo de Fabinho ao Real Madrid Castilla, também em 2012. O dinheiro que veio do Monaco nos ajudou a pagar dívidas; desde que o clube parou, nós acumulamos 14 processos trabalhistas”, detalha Brusco. Ele também explica que a compra do Liverpool foi parcelada em três vezes e que o Paulínia receberá na mesma forma. “Uma parcela em 2018, uma em 2019 e uma em 2020. A de 2018 nos ajudou a pagar nove das 14 dívidas. O resto será quitado com a deste ano”, afirma. E ainda sobrará uma parcela milionária.

Quando zerar as dívidas, o único obstáculo até a volta das atividades profissionais do Paulínia Futebol Clube será a crise política da cidade, que impede a regularização do estádio municipal. A situação de Loira, atual prefeito, pode mudar se Dixon conseguir anular o impeachment em recurso que está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal, o que torna a situação ainda instável na cidade. “Sem as dívidas, estamos preparados para voltar em 2020. Só o cenário político atrapalharia. Caso tenhamos alguma definição, o estádio poderia ser regularizado e seria possível voltar em uma situação bem estável”, garante Brusco. Se o STF negar o recurso de Dixon, Loira cumpre o mandato até o fim de 2020.

Em 2017, quando a primeira transferência grande de Fabinho foi especulada, o presidente deu entrevista ao UOL dizendo que a venda do jogador possibilitaria a volta do clube, mas começando “pelo alicerce, não pelo telhado; um projeto mais tranquilo”. A ideia de voltar somente com a base, como o clube começou, está descartada por conta de uma nova regra da FPF, que impede que clubes se afiliem à federação somente com elencos juvenis. “Por isso, nossa prioridade é formar um time profissional”.

OUTROS PROCESSOS PODEM TRAZER MAIS DÍVIDAS AO CLUBE
O Paulínia Futebol Clube ainda é alvo de dois processos na Justiça por prestação de contas irregulares; um de 2008, quando o presidente era Fábio Valadão e Fábio Ricardo Brusco era gerente de futebol, e um de 2009, já com Brusco na presidência. No primeiro, o clube declarou ter recebido 1.187.279,58 reais de subvenção pública da Prefeitura, justificados para investimento no trabalho de formação de jovens no esporte. A última decisão do Tribunal de Contas do estado, em setembro de 2013, foi de que as exigências para concessão não foram atendidas. O prefeito da época, Edson Moura, foi multado em 400 unidades fiscais do estado.

No segundo processo, a Justiça investigou as contas do clube por outra subvenção pública da Prefeitura, no valor de 1.187.089 reais, por recursos movimentados em conta de banco não oficial, por gastos excessivos em serviços odontológicos e por uma multa recebida por Fábio Brusco, quando demitido do cargo de gerente de futebol, no valor de 17.400 reais. Brusco concorreu à presidência e foi eleito pouco tempo depois. “Para me candidatar, fui mandado embora e recebi a multa. Provavelmente vamos ter que devolver esse dinheiro”, confessa Brusco. O Tribunal de Contas reprovou parte dos valores apresentados pelo PFC no balanço financeiro de 2009, mas o clube ainda está recorrendo. “O dinheiro [que veio do município] foi para serviços sociais e esportivos na base e o trabalho com os jovens prova isso. Acreditamos que vamos comprovar que não houve irregularidades. Mas os processos ainda podem acarretar em mais dívidas para o Paulínia”.